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Preto não tem vez e isso tem a ver com você
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Preto não tem vez e isso tem a ver com você

Maristela Gripp

Mariana dos Reis Sathler Gripp

A palavra genocídio vem do grego geno= raça ou grupo; e cedere= matar e foi empregado pela primeira vez, em 1944, para denominar o extermínio do povo judeu durante o holocausto promovido pela política racista do nazismo.

Na década de 70, o Professor Abdias do Nascimento – um dos maiores pensadores da sociedade brasileira e fundador do Movimento Negro Unificado – utilizou o mesmo termo para intitular o seu livro “O Genocídio do negro brasileiro: Processo de um Racismo Mascarado”. Nesta obra, Abdias do Nascimento identifica as políticas de segregação e de morte criadas e mantidas pelo Estado brasileiro, cuja única finalidade é o apagamento da população negra do país.

Passados mais de 50 anos desde a publicação da obra, as mesmas políticas permanecem em vigor e o genocídio do negro brasileiro segue em curso diariamente. Não é por acaso que as balas perdidas encontram sempre seus alvos: os corpos negros.

Nesse sentido, os dados divulgados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública1 apontam para o recrudescimento de diversos índices, sobretudo o mais gritante deles: a população preta é desproporcionalmente atingida por esse cenário de violência no Brasil.

O Anuário mostra que dentre as mortes decorrentes de intervenções policiais, “78,9% das vítimas eram negras no último ano, percentual semelhante ao encontrado em 2019, quando 79,1% das vítimas eram negras. ” No que se refere as mortes violentas intencionais, 76,2% das 50.033 vítimas em 2020 eram pessoas negras e 91,3% pertenciam ao sexo masculino.

Isso pode nos conduzir a uma importante reflexão: vidas negras realmente importam? E para quem essas vidas importam?

O assassinato brutal de George Floyd, homem afro-estadunidense asfixiado por um policial branco nos Estados Unidos, gerou comoção mundial e mobilizou as redes sociais em torno da campanha Black Lives Matter (na tradução literal: Vidas negras importam). As imagens com os últimos minutos de vida de Floyd e os protestos resultantes deste ato tiveram forte repercussão na mídia mundial e brasileira. Há dois meses o julgamento histórico do policial, condenado a vinte e dois anos de prisão, trouxe o assunto de novo à tona.

Ainda assim casos similares ao de George Floyd ocorrem todos os dias no nosso país, ceifando vidas pretas para quem a pena de morte é imposta sem qualquer julgamento e à margem da lei. Quem, de fato, se importa pelas vidas de João Alberto Freitas, Kathlen Romeu, Amarildo Dias de Souza, Claudia Silva Ferreira e tantas outras vítimas do projeto de genocídio do Estado brasileiro?

Para explicar essa aparente apatia frente às mortes de vidas pretas no Brasil, é preciso recordar que fomos o último país do Ocidente a abolir a escravidão e, ainda assim, convivemos com o seu legado até os dias atuais sem problematizar as suas trágicas consequências para a formação de uma nação.

O autoritarismo e a violência são consequências diretas do sistema escravocrata, no qual era lícito um homem subjugar outro por meio da violência física. Outro fator importante é que, apesar de os negros e pardos representarem 56% da população no Brasil, não usufruem dos mesmos direitos e oportunidades conferidos a outros grupos. A superioridade numérica não é sinônimo de garantia de direitos ou igualdade plena. A possibilidade de ascensão socioeconômica à população preta ainda é muito limitada e inviabilizada pelo status quo, que mantém os privilégios de determinadas classes desde o período colonial. A população preta brasileira permanece condenada a um projeto de marginalização e apagamento.

“Você deve tá pensando o que você tem a ver com isso?”, como indaga o verso da canção “Negro Drama” composta por Edy Rock e Mano Brown. A canção assim nos convida a refletir: “Desde o início por ouro e prata, olha quem morre. Então, veja você quem mata. Recebe o mérito a farda que pratica o mal. Ver o pobre preso ou morto já é cultural. ” Você tem tudo a ver.

Há cinco séculos insistimos no mesmo projeto de nação: o projeto do genocídio de indígenas e pretos. E fracassamos como nação. Como sociedade, devemos empreender esforços para que o culto a essa cultura da morte dê lugar à valorização da vida e ao respeito à diversidade, apostando em um projeto de nação sobre as bases da justiça, da solidariedade e da liberdade.

Maristela Gripp é Doutora em Estudos Linguísticos e profa. do Curso de Letras do Centro Universitário Internacional Uninter.

Mariana dos Reis Sathler Gripp é Bacharel em Direito e aluna do Curso de Pós-graduação em Direito Público UNINTER

 

1 Disponível em: <https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/07/anuario-2021-completo-v4-bx.pdf>.

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